Pouco mais de um mês da vigência das novas tarifas impostas ao Brasil por Donald Trump, comerciantes nos EUA, tradings e indústrias brasileiras tentam driblar o impacto da medida.
Há 25 anos na região de Washington DC, a By Brazil, especializada em produtos brasileiros, antecipou as compras do Brasil e está preparada para operar por até três meses.
Arroz, feijão, café, farinha, xampu, sabonetes, tintas para cabelo, panelas de pressão serão, por ora, vendidos pelo mesmo preço para a clientela, formada, em sua maioria, por brasileiros.
“Para me prevenir, fiz estoque de produtos. Vamos segurar os preços o máximo que pudermos e não pretendemos repassar 50% de alta”, diz Roberta Rocha, sócia-proprietária da By Brazil.
Um pacote de 5 kg de arroz custa hoje, em sua loja, cerca de US$ 12, um quilo de feijão e de farinha, US$ 3, meio quilo de café, US$ 12, ainda sem o impacto da tarifa de 50%.
Uma das maiores tradings de alimentos e bebidas para os EUA, a Paraná Trading, que abastece cinco distribuidores e 400 pontos de venda, corre atrás de novos mercados.
Praticamente todos os 3,5 mil produtos que exporta, de farofa a sandálias e cangas, foram impactados pela tarifa de 50%, o que levou a uma redução de até 80% nos pedidos do Brasil.
A Paraná Trading, que tinha 40% do seu negócio voltado para os EUA, para onde exporta desde 2015, está voltando agora os olhos para o Mercosul, onde não mirava desde 2019, e Europa.
“Parte da equipe da empresa já tem visitas marcadas para novembro em Assunção (Paraguai) e Buenos Aires (Argentina). Eu vou em outubro para União Europeia e Reino Unido”, afirma João Fernando Zogheib de Souza, sócio-fundador da Paraná Trading.
O faturamento mensal de R$ 2,2 milhões a R$ 2,3 milhões está mantido, diz, por conta de um já redirecionamento de vendas para Europa, Japão e Emirados Árabes.
“Não deixamos os ovos na mesma cesta. Tem empresa do nosso setor, totalmente dependente de negócios com os Estados Unidos, que não sabe o que fazer”, afirma.
Quadro assustador
Há 25 anos, com negócios nos Estados Unidos, a Adoro Consultoria Internacional, empresa que faz a ponte entre fornecedores e clientes para venda de alimentos e bebidas do Brasil, informa que importadores e lojistas falam em “quadro assustador” por causa do tarifaço.
Um dos maiores importadores de alimentos e bebidas do Brasil, a Seabra Foods, com cerca de 23 lojas na região de Massachusetts e Flórida, cliente da Adoro, está correndo atrás de produtos similares em outros países para não deixar as gôndolas vazias e os clientes na mão.
“Os lojistas e os consumidores vão buscar produtos similares de outras origens. Empresas de México, Portugal e países do Caribe deverão ser beneficiadas”, afirma Júlio Cezar Dutra Ribeiro, sócio-diretor da Adoro.
O leite condensado, por exemplo, está sendo requisitado de empresas no Peru e no México. O produto não é idêntico ao brasileiro, diz Dutra Ribeiro, mas similar.
Pão de queijo
O que deve ser difícil de substituir mesmo é o tradicional pão de queijo brasileiro. O cliente nos EUA que não conseguir ficar sem o produto vai se assustar com os novos preços.
Dutra Ribeiro diz que hoje o produto sai do Brasil por cerca de US$ 5 o quilo e chega aos supermercados nos Estados Unidos por quase US$ 10 o quilo.
Numa conta rápida, diz, esse preço pode subir para US$ 15 ou até mais para o consumidor, dependendo de margens de importadores e lojistas.
Comerciantes que vendem o produto no mercado norte-americano, diz ele, já estão cortando os pedidos de empresas brasileiras em cerca de 70%.
Uma das empresas que enfrenta essa situação é uma das maiores exportadoras brasileiras de pão de queijo congelado para os EUA, a Maricota, com sede em Luz, Minas Gerais.
A empresa atende distribuidoras e varejistas no mercado norte-americano com cinco marcas. Da produção de 2 mil toneladas por mês, 15% vão para o exterior, dos quais 90% para os EUA.
Ronaldo Evelande de Oliveira, sócio-proprietário da Maricota, diz que, em razão do tarifaço, os clientes cancelaram todos os pedidos no mês de agosto.
“Fui para os Estados Unidos logo na primeira semana de agosto, sentei com todos os clientes, negociei descontos e eles, a redução de margens, mas o volume de vendas deve cair 70%.”
Para ele, o que deve acontecer, no caso dos consumidores, é uma redução nas compras, até porque, para muitos brasileiros que estão nos EUA, o produto é uma forma de matar a saudade do Brasil. “Quem costumava comprar seis pacotes, deve comprar três, dois”, afirma.
Para não perder exportação e manter a fábrica operando com cerca de 500 funcionários, Oliveira vai reforçar a participação em feiras internacionais para abrir novos mercados.
Pela primeira vez, a Maricota fechou venda para uma rede de supermercados na Argentina. República Dominicana também deve receber em breve os pães de queijo da empresa mineira.
Empresas do Canadá, Dubai, Equador, Catar e Coreia do Sul já são clientes. “Vamos intensificar a participação em feiras de todo o mundo, buscar novos parceiros para manter as exportações.”
A decisão de Trump de elevar em 50% a tarifa de importação de produtos brasileiros vai levar empresas brasileiras a perder um trabalho de anos de conquista de mercado.
“A exportação exige um esforço grande de uma empresa. Quem produz e vende massas, por exemplo, tem de adaptar ingredientes, embalagem, rotulagem, atendendo os requisitos da FDA (Food and Drug Administration) dos Estados Unidos, um trabalho de anos.”
Evidentemente, diz ele, se um mercado fecha, a empresa tenta buscar outro, mas, no caso de alimentos industrializados, esse movimento não é tão simples.
“Nós já vendemos pão de queijo para a rede Cassino, na França, só que um belo dia a União Europeia impediu a entrada do produto, alegando problemas fitossanitários”, diz Dutra Ribeiro.
Nos Estados Unidos, o que se vê neste momento, de acordo com lojistas e empresas ouvidas, é uma busca por produtos substitutos e uma torcida para que Trump volte atrás de sua decisão.
Para eles, não faz sentido taxar produtos étnicos, que atendem um público específico, e que não têm similares produzidos nos EUA e, muito provavelmente, nem terão.
É improvável que um empresário se interesse em investir em uma fábrica de canjica, por exemplo, dizem, porque o Trump quer nacionalizar tudo o que o norte-americano consome.
Neste momento, de acordo com Zogheib de Souza, o que tem ajudado os lojistas dependentes de produtos brasileiros são os açougues, já que o Brasil é reconhecido pelos cortes das carnes.
Com 34 anos no mercado e com trabalho em exportação, Oliveira, da Maricota, diz que é a primeira vez que se depara com um tarifaço deste tamanho, o que considera “irreal”.
Zogheib de Souza diz que pior do que a perda de margens, em razão do tarifaço, é a imprevisibilidade para fazer negócio que passou a existir no mercado norte-americano. “Os Estados Unidos inauguraram a economia tempestiva”, diz.
Fonte: Diário do Comercio.
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